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Literatura

Gil Vicente – Dramaturgo e Poeta

O dramaturgo e poeta português Gil Vicente (nascido em 1465 e tendo acabado por falecer a 1536), que escreveu tanto em português como em espanhol, é uma das figuras proeminentes da Renascença Ibérica. Quase nada se sabe sobre a primeira metade da vida de Gil Vicente até à sua primeira aparição pública como dramaturgo, em 1502. É certo que era de nascimento humilde, mas a sua terra natal tem sido disputada como Lisboa, Barcelos e Guimarães, sendo a última a mais provável. Foi provavelmente aprendiz de Martim Vicente, um parente próximo e ourives, e foi como ourives que Gil atraiu a atenção da Rainha Leonor, que em 1495 ficou viúva pelo Rei João II. O seu irmão tornou-se então Rei D. Manuel I. A seu pedido, Gil Vicente contribuiu com alguns versos para um dos famosos serões do paço. Foram mais tarde recolhidos por Garcia de Resende no seu Cancioneiro Geral. O nascimento do herdeiro ao trono, o futuro João III, deu ao dramaturgo português a ocasião para a sua estreia como dramaturgo. Na noite de 7 de Junho de 1502, um dia após o nascimento do príncipe, Vicente, vestido de pastor, recitou um monólogo rústico (Monologo da visitação) nos aposentos da Rainha. As suas 114 linhas estão em espanhol, em parte em deferência ao local de nascimento da Rainha Maria (ela era filha dos Reis Católicos) e em parte porque o espanhol era a língua de moda das classes altas portuguesas. O bilinguismo afetou profundamente as obras literárias do português e de muitos outros escritores portugueses daquela época. A Rainha Leonor ficou tão satisfeita com o monólogo, uma novidade em Portugal, que lhe pediu que o repetisse no Natal. Gil Vicente não achou o tema apropriado, e em vez disso escreveu o castelhano “Auto Pastoril”. Foi mais longo e artístico do que a peça anterior, introduzindo seis personagens, mas também foi em espanhol. A Rainha Leonor ficou novamente satisfeita e pediu-lhe que compusesse outra obra para a Décima Segunda Noite. O poeta agradeceu com o “Auto dos Reis Magos”, em espanhol, apresentando algumas personagens que não pertenciam ao mundo pastoral rústico.

A Carreira de Gil Vicente

A carreira de Gil Vicente como poeta não oficial do tribunal foi lançada, e durante os 34 anos seguintes entreteve os tribunais de Manuel I e de João III com a sua letra, música e dramas. O português seguiu a corte quando se mudou para Coimbra e Évora e poetizou por ocasião de eventos nacionais, acontecimentos corteses e festividades religiosas solenes. Algumas das obras principais do dramaturgo e poeta português foram:

  • No início continuou a escrever peças religiosas, tais como “Auto da Sibila Cassandra” (1503) e “Auto dos Quatro Tempos” (1504), mas logo tentou a sua mão no drama secular.
  • Em 1505 produziu a sua comédia “Quem tem Farelos?”, uma animada farsa em que vários tipos de sociedade portuguesa eram retratados e criticados.

O seu diálogo inteligente foi escrito em espanhol e português. Gil Vicente não podia ignorar as empresas imperiais do seu país.

  • O seu primeiro esforço nesta direção foi na linha cómica, “Auto da Índia” (1509)
  • Logo a expansão portuguesa no Oriente inspirou-o a escrever as obras fervorosamente patrióticas “Exortação da Guerra” (1513) e “Auto da Fama” (1515)

No entanto, é em 1517 que produz uma das obras mais marcantes do seu trabalho espetacular, o “Auto da Barca do Inferno”, um dos grandes clássicos da literatura portuguesa. Uma peça repleta de anjos e pecadores (com a sua menção ao Anjo e ao Diabo), Gil Vicente satiriza o juízo final do catolicismo, para além claro da sociedade portuguesa da época. Cada personagem tem a sua simbologia própria e podemos associar a mesma a características como a falsidade, corrupção, ambição, hipocrisia, mentira, entre outras.

Vida e Trabalho

A carreira de Gil Vicente como ourives segue a curva ascendente da sua dramática carreira. Em 1506, terminou uma bela obra gótica (Museu de Lisboa). Em 1509 foi nomeado supervisor das obras em ouro e prata em Tomar, e após outras nomeações foi nomeado em 4 de Fevereiro de 1513, mestre da Casa da Moeda de Lisboa. Foi provavelmente nesta altura que perdeu a sua primeira esposa, Branca Bezerra. O seu marido amava-a muito para a julgar pelo seu epitáfio e pela encantadora “Comédia do Viúvo” (1514). Ela deixou a Gil Vicente dois filhos. A sua segunda esposa, Melícia Rodrigues, deu-lhe três filhos, um dos quais, Luís Vicente, publicou as obras do seu pai (Compilação, 1562). Após a morte do Rei D. Manuel (1521) e da Rainha Leonor (1525), o português queixou-se de privações e pobreza. No entanto, a sua dramática produção continuou ininterruptamente durante o reinado de João III. Durante este tempo, compôs várias das suas obras-primas, incluindo “Farsa de Inês Pereira” (1523), “Tragicomédia de Dom Duardos” (1524), e “Tragicomédia de Amadis de Gaula” (1533). Vicente também recebeu várias pensões do novo rei. A última peça que escreveu foi a “Floresta de Enganos” (1536), com diálogo hispano-português. Gil Vicente provavelmente morreu em 1536. Porque 1536 foi o ano em que a Inquisição foi estabelecida em Portugal, acreditou-se em tempos que a sua morte estava relacionada com esse facto, pois ele tinha defendido vigorosamente os judeus convertidos.